Expectativa

Vitória, 30 de Janeiro.

Saudoso amigo,

As más notícias são como um ladrão: passeias cantarolando num dia ensolarado e na primeira esquina que dobras elas vêm e tomam o que de maior valor possuis. Estou morrendo; não sei quanto tempo de vida ainda tenho.
Naquela manhã acordei com o sol de janeiro abrindo meus olhos. O céu estava azul, soprava uma brisa de meio-dia, aquela que refresca a sesta, embora fossem ainda 9 horas. Levantei-me com planos de passar a tarde à beira do mar, tomando cervejas até o sol se pôr ou até meu pescoço minha velha cabeça não mais conseguir aguentar, o que viesse primeiro, como já conheces meus hábitos. Mas antes tinha compromisso inadiável, por já tê-lo por vezes adiado. Tomei meu café, fumei um cigarro e fui ao médico saber o resultado de antigos exames. Há tempos vinha sofrendo de uma tosse aguda, incômoda e constante. Pensava ser nada, “deve ser velhice”, e passava meus dias.  Quando de uma tosse sangue cuspi, percebi que já estava velho demais para protelar o especialista.
Sai sob aquele céu azul rumo ao consultório, e ao dele sair, se o céu azulado ainda estava, não consegui perceber: o médico acabara de cientificar-me de um câncer, até então desconhecido, mas já em metástase. Nada mais a ser feito.
Dizem que nossa vida passa em filme diante dos olhos quando a morte conhecemos: se alguma película foi exibida, não estava presente nessa sessão. Decerto ainda lia o cartaz da minha morte anunciada. Um atestado de óbito é menos aterrorizante do que a visão do seu rascunho.
Os dias que passaram e ainda, apesar de não saber até quando, passam, são angustiantes. É uma morte em vida, o choro de um natimorto: respiro, mas não sinto o ar, existo, mas não mais vivo. Não tenho vontade de um livro ler, na dúvida de se vou conseguir terminá-lo; não mais saio com os amigos, pois as despedidas ao final das noites sempre deixavam a aparência de serem as últimas; não consigo me interessar por nenhuma mulher como outrora, pois não sei se vou conseguir levá-la para a cama antes de a morte para a barca do Aqueronte me levar; nem mesmo um copo de bebida consigo encher, por receio de a garrafa meu corpo sem vida no chão deixá-la cair. Passo os dias somente a esperar, às vezes desejar, o fim.
O que me restam são as memórias. Memórias dos dias em que, jovens e saudáveis, desbravávamos as noites em busca de vulvas quentes e cerveja gelada, quando no início do mês, o bolso vivo com o soldo recém recebido, buscávamos bebidas caras e mulheres baratas, ou quando, no final do mês, com parcos trocados, bebida barata e mulheres de graça, compradas com gracejos. Aventuras noturnas por bairros desconhecidos, bares entupidos, quartos escuros, becos imundos... Vivíamos cada dia como se fosse o último, mas sempre desejando o amanhã. Tempos em que a vida parecia ser eterna...
Queria te poupar desta desagradável leitura das nostalgias de um velho infeliz próximo do fim. Mas não conseguiria deixar este mundo sem de você me despedir.

Adeus.

Seu eterno amigo,
Augusto.

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Rio de Janeiro, 12 de Fevereiro.

Saudoso Augusto,

Sinto em meu peito a sua dor. Muito lamento sua história, a nossa história, ter fim tão abrupto. Em vida ofereço meus pêsames.
Algumas vezes meu pulmão também minha atenção tenta ganhar com compridas tosses, mas evito o médico. Fujo das más notícias.
Meus dias são agradáveis: continuo lendo bons livros, às noites saio com os amigos que ainda para o outro lado não se foram, quando tenho sorte durmo com algumas mulheres; quando não, durmo com minha garrafa de vinho, o que não deixa de ser boa companhia.
Realmente maravilhosas foram nossas aventuras. Apesar de já velho, ainda tento recriar algumas. Com a parca aposentadoria, tenho que me contentar apenas com bebida barata e mulheres de graça, mas ainda me aventuro por bairros desconhecidos, bares entupidos, quartos escuros, becos imundos... Vivo cada dia como se fosse o último, mas sempre desejando o amanhã. Finjo que a vida é eterna...

Estou são: assim como você, também não sei quanto tempo de vida ainda tenho.

Seu eterno amigo,
Vinícius.