Envolto em cinzas de cigarros,
na dúvida entre o nó ou a navalha,
mais um trago de vinho
para a alma dormente sedar.
Os lamentos de Otelo de Verdi
ecoam da velha vitrola
e servem de trilha sonora
para esta decadente última hora.
Garrafas de vinho vazias à minha volta caídas
e o cinzeiro transbordando guimbas
no meu quarto vazio
resumem minha medíocre vida.
Meu corpo nu no mofado colchão se afunda
e se envolve na encardida cortina de fumaça
de meu cigarro, num último abraço
da única companhia a me velar.
As notas de suicídio espalhadas
formam um tapete no meu escuro quarto,
mas talvez na manhã por vinda
se promovam na janela desta existência por finda,
uma derradeira vaidade para a posteridade!
O teto que gira, a náusea que irrita
e o esperma derramado ao meu lado,
meu último legado
para este mundo vazio.
Os olhos que se fecham,
a escuridão na qual me aprofundo,
a vertigem que me afunda
e no nada silencioso flutuo...
Quão gracioso é o momento,
enfim a calmaria contundente,
o descanso há tanto esperado
e a paz há muito sonhada...
Mas a inesperada luz cortante
desgraçada e decepcionante
vem de meus delirantes sonhos
bruscamente me arrancar!
Meus olhos se abrem relutantes
ante às batidas da minha cabeça latejante
e agoniado percebo que minha carcaça
ainda carrega esta desgraçada alma!
Mais um dia recomeça,
volto à realidade alienante,
sorvo o último gole de vinho na taça restante
e me levanto para ir trabalhar.