Persistência

Aparentemente é uma casa sem vida,
do lado de fora não nota-se nenhum movimento,
a poeira e o lixo vindos da rua acumulam-se na entrada
e por trás da porta e janelas fechadas
é possível escutar somente o som do silêncio.
Mas o que não sabem as vizinhas ociosas
que de suas janelas filosofam,
nem os apressados transeuntes que
em sua frente distraídos passam,
é que naquela casa aparentemente morta
a vida floresce em paz e em constante frenesi:
em busca de restos, baratas percorrem livres
o imundo campo de cerâmica branca da cozinha
sem a preocupação de serem pisoteadas,
pelos cantos das paredes abandonadas
aranhas tricotam suas teias e embalam seus ovos
sem o medo do genocídio da faxina,
Aedes Aegypti procriam na água parada da latrina
orgulhosos do futuro exército de kamikazes
que será formado por sua mais nova prole,
bactérias, agora não mais ameaçadas por defesas inimigas,
se proliferam exponencialmente e aumentam sua comunidade
dentro de um universo prestes a explodir,
ratazanas arrancam nacos da carne pobre caída no chão
voltando apressadas a suas tocas para
com o leite rico em proteínas alimentarem suas ninhadas
e moscas festejam freneticamente sobre o banquete disponibilizado
pelas louças sujas há muito inertes na pia
enquanto assistem as larvas de seus filhos crescerem
ao se fartarem com o nutritivo e pútrido manjar
oferecido pelo morador dessa residência.
A casa, que do seu exterior aparenta estar morta,
na verdade expande-se num contínuo universo em evolução
onde a vida inexoravelmente continuará a persistir
até o momento em que seu proprietário,
em busca do pagamento do aluguel atrasado, a porta arrombar
e o corpo morto do seu inquilino no chão da cozinha encontrar,
velado e festejado pelos bichos, já a se deteriorar.