Ansiedade

O suor escorre pela testa de Paulo, suas mãos tremem, sente-se impaciente e não consegue entender: por que ela ainda não ligou?
Na noite anterior, depois de muitas semanas de silêncio, ele finalmente conseguiu ouvir novamente a voz de sua antiga namorada. Depois de tantos recados deixados em sua caixa postal, já havia perdido a esperança de que isso pudesse realmente vir a acontecer. Mas ontem foi diferente: na primeira vez que a telefonou, conseguiu ouvir o seu alô. Na hora estremeceu, ficou paralisado e depois de alguns segundos de silêncio, provocado pela resposta inesperada e pela necessidade de encontrar rapidamente as palavras certas para dizer naquela que poderia ser a sua última oportunidade, conseguiu expressar a sua dor: se desculpou, lamentou, chorou, declarou o seu amor e pediu uma última chance para corrigir seus erros. Ela, pacientemente, ouviu tudo e depois de alguns instantes de reflexão, respondeu: “vamos conversar pessoalmente. Te ligo amanhã para marcar”. Despediu-se e sem deixar tempo para Paulo vomitar um último lamento, desligou.
Após o som da ligação encerrada, Paulo, aliviado, suspirou. Enfim havia conseguido a oportunidade que desesperadamente desejava. Naquele momento, sentiu-se como se a mão dela o erguesse enquanto ele se afogava no lago de fogo do inferno. Agora ele teria a chance de revê-la, de deixá-la perceber seus quilos perdidos no hiato dessas últimas semanas, deixá-la admirar suas olheiras profundas escavadas por noites de choro contínuo, deixá-la ter certeza do seu sofrimento, enquanto ele poderia olhá-la nos olhos, pegar em sua mão, pedir o seu perdão e lhe prometer que desta vez faria o possível e impossível para tudo dar certo.
E desde aquela conversa, Paulo nada mais espera além dessa ligação. Naquela noite mal conseguiu dormir, no dia seguinte não teve fome na hora do almoço nem conseguiu trabalhar à tarde, pois era impossível concentrar sua atenção em qualquer outra coisa senão no telefone que podia tocar a qualquer momento. Mas não tocava.
Ao final do expediente, voltou para casa apreensivo, esperando a qualquer momento seu celular vibrar. Mas não vibrava. Tomou banho, se barbeou e se perfumou, queria estar pronto para sair assim que ouvisse o toque do telefone. Mas não ouviu.
E até agora, já 10 da noite, nada aconteceu. Pensou em ligar pra ela, mas desistiu: depois de tanta insistência das semanas anteriores, melhor não demonstrar seu desespero e ansiedade, ser mal interpretado e correr o risco de novamente por tudo a perder.   
E agora Paulo anda de um lado ao outro da sala, acendendo um cigarro na guimba do último e a cada minuto verificando as horas que passavam: 11:00, 12:00, 01:00, 01:20, 01:22... Até finalmente perceber que ela não ia mais ligar...
Sem mais esperanças, jogou-se desolado no sofá e deixou-se afundar. Abriu a garrafa de uísque que estava na mesinha ao lado e tomou um longo gole. Queria sedar o corpo, pois a alma já não podia. Agora tudo estava claro: ela nunca teve a intenção telefonar, sua promessa fora apenas um pretexto para fazê-lo parar de importuná-la.
Não sabia mais o que fazer. Não ia conseguir suportar passar por toda aquela angústia novamente, o sofrimento diário, suas tentativas desesperadas de contato, o silêncio, a solidão do seu frio quarto, as lembranças que nunca mais seriam revividas, a inação de seu corpo que mal conseguia levantar nas manhãs quando seu despertador o acordava...
Ele precisava encontrar uma solução. E a encontrou ao perceber a porta entreaberta do armário da pia. Levantou-se num salto, correu para a cozinha e começou a vasculhar o armário. Sabia que estava lá, tinha que estar lá. E encontrou!
No saquinho plástico, admirou sua salvação rósea: o raticida que comprara alguns meses atrás para exterminar uma ratazana que a noite vinha banquetear na sua cozinha. Uma única aplicação foi suficiente para expulsar deste mundo aquele animal asqueroso. E o que restou seria suficiente para expulsar este.
Sem pensar duas vezes, retorna pra a sala, abre o saco, joga o veneno na boca e dá um bom trago no uísque para ajudar a engolir. Pronto: está tudo acabado. Senta-se novamente no sofá e aguarda. Poucos minutos depois já podia sentir os efeitos: primeiro uma pequena dor no estômago, uma diminuta pontada que foi aumentando, aumentando, até tornar-se insuportável. Paulo cai no chão a se contorcer. Sentia a ânsia do vômito preso em sua garganta, a falta de ar, seu corpo inteiro sendo esmagado pela dor. Mas apesar de tudo, Paulo estava calmo: toda dor já ia passar. Para sempre.
E quando sua visão começou a turvar-se, quando sentia que estava prestes a perder os sentidos, prestes a deixar esse mundo, suas angústias e sofrimento, prestes a abandonar a dor eternamente, entre o barulho dos seus grunhidos ouviu um outro som. Era o telefone tocando. Não conseguiu acreditar, não poderia ser ela, certamente era engano. Desesperado, entre a dor e a fraqueza, rastejou-se pelo chão da sala e com o que lhe restava de força, ergueu sua mão e num último esforço, quando seu olhar já escurecia, conseguiu apanhar o aparelho.
Sua última visão foi o nome dela escrito no visor do celular.