Questionamento

Desde o indefinível momento em que o homem começou a pensar que podia pensar, desde o instante no qual os poetas aprenderam a rimar e os filósofos começaram a acreditar que podiam saber mais do que nada saber, foi concebida a angustiante e indecifrável pergunta que perturbou a humanidade durante toda sua existência: qual o sentido da vida?
Muitos passaram noites insones tentando desvendar tal mistério, outros desperdiçaram seus dias produzindo laudas e mais laudas de conjecturas inúteis na tentativa de tal enigma elucidar, muitos outros se entregaram à bebida para esta dúvida em álcool diluírem e igualmente tantos outros se entregaram à morte por não conseguirem encontrar solução para esta torturante equação da vida.
E o motivo de tanto tempo passado sem êxito alcançado, tanto esforço despendido para no fracasso padecer é tão simples que talvez justamente sua evidência e simplicidade tenham sido o motivo para que por tanto tempo sua resposta se mantivesse oculta. Pois simplesmente não há sentido na vida.
O ser humano, enquanto crê pensar, considera-se superior a todos os outros restos de matéria que o circunda e por isso tenta sua asquerosa abjeção elevar a glória e da verdade se esquivar. Cria deuses e romances, escreve poemas e dissertações, floreia a realidade e recria uma nova, para acreditar que pode ser mais do que realmente é.
O ser humano é um vômito no mundo, a revolta de um útero violentado que cospe depois de nove meses o esperma brutalmente em suas entranhas enfiado. A única diferença do humano para uma barata, uma mosca, um punhado de merda, é o desespero em encarar a realidade, é a necessidade frustrante e angustiante de acreditar e querer provar para si mesmo que é mais do que realmente é a fim de crer que compensa ser alguma coisa.
Desculpe-me meu niilismo, mas não aguento mais tanta patifaria. Alguém tem que reconhecer a verdade, se é que se pode dizer que existe alguma. Talvez o meu tédio da vida, meu asco pela humanidade e a incapacidade de mentir para mim mesmo sejam o motivo de escrever essas parcas linhas nesta noite em que pretendo me matar. Rasgue suas pálpebras e veja a realidade: somos apenas pútridas vísceras de um organismo maior, que é o planeta no qual rastejamos, vísceras que são lenta e inexoravelmente digeridas, transformando-se em fezes a serem expelidas e enterradas a sete palmos de terra para se transformar em húmus, ascender à estrume e adubar esse grandioso organismo para que de nossas vísceras possam brotar outras e continuar o maravilhoso ciclo da escatologia!
Se quer se considerar grandioso, então tire sua glória disso: ser merda é sua maior qualidade! Mas se de sua existência ainda, por vaidade, necessitar de um valor mais nobre que este, para em seus últimos momentos de vida, em seu último suspiro, conseguir encontrar alguma valia da sua existência para tornar o fardo da morte mais leve num último ato de autocompaixão deplorável, saiba que essas vísceras se tornam a cada dia, a cada homem, a cada vida, mais cancerígenas e a cada dia a metástase torna-se mais evidente: estamos consumindo aquilo que nos consume, na nossa irracionalidade e megalomania, no nosso desespero de tentar sermos mais que somos, na nossa negação da abjeção, estamos matando a vida que nos mata, definhando aquilo que nos definha, envenenando aquilo que de nós se alimenta.
Assim, se apesar do exposto, ainda se negar a acreditar que isso que chama de vida carece de sentido, fica esse pequeno saldo, que apesar do absurdo, pode-se aceitar como um sentido, já que não há nada mais que disso se aproxime: na incapacidade de sermos algo, estamos transformando o tudo em nada.