Memória

O sol da tarde penetra a fresta deixada pela cortina semi-fechada. Acordo. Deitado numa cama que não sei a quem pertence, aspiro o ar do quarto, carregado por um perfume de suor, esperma e algo mais que não consigo discernir. Penso em me levantar, mas meu pensamento e distraído pela dormência do meu braço que indica que não estou só.
Viro-me. Ao meu lado, como nos braços de um Morfeu de ressaca, dorme tranquila e nua, uma mulher.
Observo-a: a maquiagem excessiva, excessivamente negra e excessivamente borrada, dá a seu rosto um ar angelicalmente mórbido; a alva pele de seu pescoço exibe roxas marcas de mordidas e chupões, certamente resquícios da minha voracidade na noite passada; de sua boca escorre brilhante e viscosa baba, umedecendo seus lábios vermelhos e feridos, dando-lhes um aspecto sedutor, excitante, que não se converte em uma ereção devido unicamente a forte dor que dança em minha cabeça.
Brinco com seus mamilos enquanto tento recordar os eventos da noite anterior. Mas essa tentativa, além de cansativa, antevejo ser infrutífera, desisto dela e me contento em continuar brincando com seus mamilos.
Álcool! Agora consigo discernir o terceiro elemento que compõe a atmosfera do quarto. Suor, esperma e álcool! Agradeço ao litro de cachaça vazio caído ao lado da cama. A noite deve ter sido boa... Mas agora, como será? De nada me recordo e vejo-me na obrigação de chamá-la pelo nome quando acordar, afinal é o mínimo que posso fazer em agradecimento à noite de prazer que, embora não me lembre, certamente me concedeu. E como dorme sobre meu braço não posso levantar-me e ir embora sem despertá-la.
Maldição! Se fosse uma das musas de Álvares de Azevedo o nome não seria necessário, usar qualquer clichê romântico seria suficiente. Por outro lado, se assim fosse, provavelmente estaria ela virgem e morta ao meu lado...
Suor, esperma e álcool... Certamente ela também não deve lembrar meu nome.
Volto a dormir.