Decepção

Sentada na cama do seu quarto, olhando pela janela entreaberta, Alice admira a lua crescente. Aflita, pergunta-se se o seu relacionamento recém-acabado realmente poderia novamente algum dia vir a nascer, crescer e se encher de beleza como aquele astro da noite. Atormentada pelas dúvidas, Alice pergunta-se se deve mesmo ligar para ele.
Na noite anterior, depois de tantas noites de resistências, finalmente atendeu uma ligação de Paulo, seu antigo namorado. Pode ouvi-lo expressar a sua dor, escutar suas desculpas, seu choro, suas declarações de amor e o seu pedido de uma última chance. Pacientemente ouviu tudo e depois de alguns instantes de reflexão, respondeu: “vamos conversar pessoalmente. Te ligo amanhã para marcar”. Despediu-se e, sem deixar tempo para Paulo vomitar um último lamento, desligou.
Mas ao fim da ligação, sua alma encheu-se de dúvida e medos, e agora Alice reflete sobre qual deverá ser o próximo passo da sua vida. A saudade é grande, mas a dor que ficou também. Os meses juntos trouxeram muitos sorrisos, mas também deixaram muitas feridas. Ela sente falta do seu abraço, mas teme novamente sua indiferença. Quer o seu beijo, mas teme novamente duvidar sobre o que ele realmente deseja. Ela sabe que as feridas não cicatrizaram-se, ela sente como se as tivesse costurado sozinha numa atitude desesperada para fazê-las fecharem-se e poder seguir sua vida, mas também lembra-se das palavras de sua melhor amiga: “vocês são duas almas gêmeas, mas burras e infantis, que deixaram tudo vir a se perder”.
Alice levanta-se e anda de um lado ao outro do quarto.  Deve mesmo se arriscar? Deve mesmo se entregar por inteiro correndo o risco de sair pela metade? Então seus olhos inquietos que procuravam desesperadamente por uma resposta param sobre o porta-retratos que suporta uma foto dos dois. Lembra-se de seus bons momentos juntos, os sussurros no ouvido, suas carícias, seu cheiro, seus beijos, seu corpo... e a dúvida dissipa-se. Sim, vale a pena arriscar-se, vale a pena correr todo o perigo novamente. Tentaria por toda a vida que o relacionamento dos dois desse certo, por quantas vezes fossem necessárias, por quanto tempo fosse preciso. E se ao final de sua vida chegasse à conclusão de que não havia dado certo, ainda assim teria valido a pena, pois pelo menos teria passado a vida inteira ao lado dele.
Sem mais pensar, num salto pega seu telefone e liga para Paulo para dizer-lhe o quanto o ama, o quanto o deseja, o quanto precisa dele e, enquanto escuta o som da chamada, espera ansiosamente a qualquer momento poder ouvir a voz de Paulo para expressar todo o seu amor!
Ele não atende.