Felicidade

O pulso aberto é a janela que se abre
para receber a luz de um novo dia.
A veia à mostra,
a vida vertendo,
a seiva vital se esvaindo,
a ceia dos seus algozes vampiros
que famintos hão de perecer
pois deste banquete não mais se saciarão.

O brilhante espelho vermelho
que se forma no chão do seu quarto
reflete a mais cândida imagem
a qual há muito não admirava.
E assim como Narciso
neste límpido lago se afoga
pois se não consegue mais emergir
melhor de uma vez deixar-se afundar.

Deita-se no rubro lençol estendido
cama quente, confortável, convidativa,
revira-se e se espreguiça para o sono eterno,
o fim deste pesadelo concreto,
e o início do sonho que toda noite perseguia.

A crescente vertigem é uma dança
que como no colo da mãe na infância
lhe conforta e embala.
Cálido balanço febril,
doce abraço pueril
que acalenta, nina, acalma.

E ao amanhecer o dia
quando a porta do quarto abrirem
aqueles que o espetáculo virem
se emocionarão.
Não pelo frio corpo estendido, pela ferida fatídica
ou a poça de sangue no chão.
Mas sim por aquele plácido sorriso

nos seus lábios roxos já sem vida
que todos aqueles que o conheciam
imaginavam que nunca mais contemplariam
...