Trauma

Corpo inorgânico de alma tangível,
coração ardente e peito vazio,
chaga exposta em seu interior oculta
explicita sua dor incontida.

Negros olhos abléfaros sangram lágrimas sulfúreas
por aquilo que não consegue enxergar
errante vaga por este dantesco mundo
com o único desejo de um dia se libertar.

Arrastando-se por vielas imundas
rastro de pútridas vísceras atrás de si a deixar
buscando sua vida há muito tempo perdida
na esperançosa ilusão de em algum momento a reencontrar.

Suor frio correndo por suas árdegas têmporas
concebido pelo constante esforço de andar
não retém esta nefasta criatura
pois por mais que deseje não consegue descansar.

Seus gritos mudos rasgando os tímpanos dos pobres infelizes
aos quais sua agonizante ladainha consegue alcançar
clama o retorno da odiável amada
pérfida algoz do seu doloroso pesar.

E pela poeirenta estrada desta malfadada jornada
muitos outros corpos seu caminho a cruzar
pustulentos ímpios gemendo pelo mesmo pecado
de a quem não lhes ama amar.

Maldita sina desta degraçada abominação
que não sabe que sua cruzada nunca há de cessar
pois a quem procura indiferente no paraíso se encontra
e porque ao inferno desceria para um demônio beijar?

E assim prossegue morfética demência
a cada passo um pedaço de sua doentia matéria a deixar
talvez em seu cérebro sem vida sonhando o fim deste pesadelo
quando seu último pedaço definhar.